O cê-cedilha vai nos deixar?




Estava lendo um texto no Valor Econômico sobre o cê-cedilha e o futuro da nossa escrita.
No texto, a jornalista Eliana Cardoso, admite que o extermínio do nosso sinais ortográficos acontecerá em 2030 e ela sabe disso simplesmente porque somos nós que projetamos o futuro e por isso podemos prevê-lo. Faz sentindo, num mundo cheio de muitos sentidos e direções. Mas tirar o meu cê-cedilha é injustiça. Por que diabos eu passei tantas horas da minha vida aprendendo a usar uma gramática se afinal, um dia, iriam tirar tudo de mim só porque a China tá crescendo?

Eu não quero ler palavras em figuras chinesas distorcidas que tem diferentes significados, dependendo da intonação que você dá a cada imagem quando as pronuncia.
Muito complicado.
Eu gosto mesmo do meu cê-cedilha e do circunflexo. Afinal, pense bem. Ele nós dá encanto e personalidade. Personalidade a língua portuguesa. Com exceção dos franceses, ninguém conhece o cê-cedilha. Acham que ele é um sinalzinho ambicioso, metido a besta que meramente tem som de “s”. Não senhor! Digo eu, em tom ofendido. Som de “S” para os falantes da língua espanhola. Onde um só ”s” basta para dar força à palavra CASA – que em Espanhol é dito CASSA.

Em português casa é uma palavra macia. Enamorada. Suave. É como dizer “caza”, eu explico. Mas aí já entramos em outro problema. Na língua espanhola, o Z mais tem som de cê-cedilha e isso já vai começando a ficar mais difícil de explicar.

Eu gosto mesmo do complicado. Do jeitinho que temos que dá pra burlar a pressão da gramática e aprender quando usar a crase e o nosso chapeuzinho (o cincunflexo) para dar um som mais fechado a alguma palavra. Lelê, você, cadê... adoro esse sinal. Tem também nossa cobrinha (o til) que faz tudo mais grandão: amorzão, paixão, avião, dimensão, aptidão, distração, fração.

Adoro nossos sinais e como eles nos ajudam a saber como pronunciar uma palavra corretamente. Mesmo que seja a primeira vez que nos deparamos com ela. Vamos tomar o confronto na Líbia, por exemplo. Eu nunca tinha lido e pronunciado a palavra Trípoli antes.

Como em português temos acentos, logo que li a palavra (em português) sabia que eu devia enfatizar a proparoxítona TRÌ. Tenho que confessar que só corrigi meu erro depois que li a palavra em português. Em inglês – Tripoli – fica por conta da sua capacidade de adivinhar.  E como eu peco nesse quesito, estava dizendo por aí Tripolí. Que era como eu, na minha demência, lia a palavra em Inglês.

Vivendo nos EUA, eu estou sempre tentando adivinhar onde diabos mora a ênfase das palavras. Estou sempre com um livro pra lá e pra cá. Uma revista, um site interessante. A todo momento leio uma palavra e penso – Diabos, como pronuncio isso? Onde mora a força dessa ou daquela sujeita desaforada que tem letras que conheço e sons que eu não posso ler porque não há sinais para eu interpretar.

Eu prefiro meus acentos. Meu cê-cedilha francês, metido a besta. A bossa nova que você gosta mesmo sem entender porque nossa língua é tão musical quanto nossos gestos. Gosto do meu “erre”, menos puxado que os dos portugueses - patronos que nos deram a língua e não se alegram ao saber que nós, brasileiros, a aperfeiçoamos.

De tudo que vejo, leio e crio, gosto mesmo do meu português. É com ele que eu tenho intimidade e até me arrepio. Para falar pausado, baixinho, safado ou um palavrão desaforado, em português sempre faz mais sentido. E eu gosto do som forte da palavra pronunciada com doçura, com fraqueza, com espanto, com raiva, com esperteza.

Gosto quando digo para os espanhóis que, ao menos Cervantes (autor do famoso Don Quixote) sabia que o português valia a pena. Ele costumava dizer que era língua mais musical do planeta. O que eu não sei é se ele falava do Português Brasileiro ou do de Portugal.
Mas prefiro acreditar que era do meu, claro!
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